terça-feira, 15 de novembro de 2016

Construindo Bons Diálogos


Muitos dos livros e contos que tenho lido ultimamente pecam no quesito diálogo. A primeira vista parece ser algo fácil de criar, mas não é. Diálogos são perniciosos se mal utilizados e devemos construí-los com cuidado. Praticamente, desenhá-los.


Há quem acredite que diálogo é uma simples conversação, por mais que deva parecer uma, o diálogo é muito mais que um descomplicado bate papo. Trata-se de uma ferramenta narrativa onde o escritor faz a história andar, revela características dos personagens ou fornece informações do enredo como um todo.

Ao se mover a narrativa com o diálogo, o escritor deve criar eventos significativos dentro da fala dos personagens. Quatro assaltantes de banco podem conversar sobre como será o próximo golpe deles. Deixando claro para o leitor para onde a história irá.

Os diálogos devem ter conflitos e tensão. No exemplo anterior, podemos aproveitar o diálogo entre os bandidos para mostrar qual deles é o líder, quem entre eles pode desafiar a liderança já estabelecida e quais são simples capangas que obedecem a ordens.

Enquanto os quatro discutem sobre o assalto, o escritor demonstra, através da forma de falar e de algumas ações, quem tem tendência a ser violento, quem pode resolver problemas através da lábia e quem não tem nenhuma habilidade especial. Tudo isso pode ser mostrado desde a forma com que o personagem fala, o domínio da língua que ele possui e das ações que realiza diante dos outros.

Um simples assaltante de banco do interior usará várias gírias e não se importará com todos os detalhes, enquanto um líder de quadrilha que pretende assaltar o maior banco do país teria estudado todo o sistema de segurança, possíveis rota de fuga, contingente de seguranças que guardam o local. Se for um gênio do crime, buscará fazer tudo isso sem dar chances de ser capturado.

O grande desafio do diálogo é fazer tudo o descrito anteriormente de forma natural e respeitando o meio termo entre falas e descrição. Duas pessoas conversando sem agir parecem cabeças falantes, enquanto um diálogo com travessões e personagens se movendo a cada nova linha, fica chato e cansativo.

O diálogo tende a dar ritmo à obra, ou deveria ser assim, já que permite diminuir as descrições e renova o fôlego do leitor. Eis aqui o maior incômodo que tenho visto nas minhas leituras, principalmente dos iniciantes.

Se quatro bandidos estão discutindo sobre como será o próximo assalto, o que me interessa é o assalto em si. Não me importa se um deles deixou o cigarro sobre a mesa, coçou a cabeça, pigarreou, olhou para o lado, olhou as horas no celular, ou ficou observando os lados. Pelo menos não me importa se ele fizer isso a toda hora. O diálogo ficará travado, já que o interessante é saber qual o banco irão assaltar, que dia, que horas, como farão. Terá uso de armamento pesado? Usarão reféns? Chegarão atirando como loucos ou vão sequestrar o gerente e obrigá-lo a abrir o cofre?

Falando de forma simplória, o líder perspicaz pode insistir em uma abordagem sem violência para facilitar o andamento do assalto, enquanto o capanga troglodita insiste que chegar atirando é a forma correta de garantir o sucesso da empreitada. Ambos argumentam por algumas linhas e então se movem.

Quem se levantar da mesa primeiro, demonstrará ter perdido a paciência, ou um soco fazendo as plantas do banco tremerem sobre a mesa, terá esse efeito. Aí sim a descrição e ação serão bem recebidas pelo leitor.

Continuando com exemplo simples. Se o capanga é quem perde a razão, você deverá mostrar a reação do líder e as consequências. Se ele for um psicopata que não aceita que discordem do plano, pode matar o capanga ali mesmo, sem hesitar. Caso seja um líder que não precisa de violência a todo instante e ninguém tem coragem de discordar dele por muito tempo, a simples descrição de que o chefe se calou e encarou o capanga, fará com que todos parem de argumentar e ouçam as ordens.

Deixei o último parágrafo em aberto por gosto, espero que o segundo caso tenha te incomodado um pouco.  Explico o motivo: no exemplo anterior eu disse que o capanga se levantaria da mesa, se for um líder com poder absoluto e que não precisa ficar repetindo as ordens, nenhum capanga se levantará ou esmurrará a mesa na frente dele. Escrever diálogos não é simplesmente colocar pessoas conversando. Todas as atitudes devem ser observadas para que sejam condizentes com a personalidade e respeitem o padrão de comportamento dentro dos grupos.

Resumindo, o diálogo é uma ferramenta que auxilia o escritor em diversas áreas, mas não deve ser construído de qualquer forma. Deve-se planejar o que se quer com aquele diálogo: demonstrar características do personagem, explicar acontecimentos anteriores, mostrar possíveis ações futuras, entre outras possibilidades. Mas o diálogo não deve ser somente pessoas conversando banalidades.


Não pretendi discorrer sobre todos os detalhes que envolvem a construção de diálogos, podem comentar sobre aspectos que achem importantes e que eu não falei por aqui.

8 comentários:

  1. Muito bom artigo, existem muitas construções de diálogos muito ruins por ai.

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  2. Na moral, esse post só não é melhor porque não é maior.
    Mandou ver Saulo.
    O diálogo é muito mais que simples falas e não só pode como deve denunciar características tanto dos personagens, como do cenário ou da trama.
    Se não for pra ser assim, melhor nem ter.

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    1. Obrigado Brendo, não gosto de criar posts grandes demais, mas não significa que não possamos retomar o assunto em novas postagens.

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  3. Isso mesmo. Também abomino diálogos desnecessários.
    Ótimo artigo. Acabei de conhecer seu blog através da sua parceria com "O Leitura Descontrolada". Seus livros parecem muito bons, desejo sucesso!


    Meu blog: "Fala C. R!"

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    1. Obrigado. Pode passar por aqui mais vezes.
      Sucesso para ti.

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