Canção
do Cuco é uma fábula escrita por Frances Hardinge, britânica e
premiada escritora de infantojuvenil e jovem adulto.
O
livro tem como pano de fundo, os Crescent, uma tradicional família
inglesa do início do século passado e ocorre no período
pós-primeira guerra mundial. Começa como um suspense psicológico e
no decorrer da trama se mostra como uma fábula.
Triss
Crescent é a personagem principal e tudo se inicia quando ela acorda
após um acidente que sofreu em um lago onde a família passava as
férias. A escrita da Frances me prendeu logo de cara, a forma com
que ela consegue nos colocar no lugar da personagem principal é
primorosa.
Vi
alguns comentários sobre o livro dizendo que o começo é lento e
confuso, na verdade não é, o início é peculiar. A autora nos
deixa sem saber exatamente o que está acontecendo, afinal de contas,
a protagonista acorda sentindo muita dor de cabeça e sem conseguir
se recordar do acidente e de tantas outras coisas. E a construção
dos primeiros capítulos nos coloca dentro da cabeça de Triss.
O
suspense vai crescendo, Triss começa a ter problemas para dormir,
sente uma fome descomunal e, ainda que coma muito, perde peso. Fora
que ela passa a ver coisas estranhas que não sabemos se existem ou
estão somente na cabeça dela.
Essa
foi a melhor parte do livro para mim, o desenvolver da condição da
protagonista e a crescente dúvida se tudo aquilo acontecia mesmo ou
a menina estava ficando louca. Foi na revelação deste mistério que
o ritmo do livro se alterou e eu perdi parte do gosto pela leitura.
Preciso
fazer uma observação aqui, eu sou consumidor de suspense e amo
temas psicológicos, a autora escreve literatura infanto juvenil,
logo, não poderia dar soluções extremas aos conflitos. Logo, não
seria um livro no estilo que eu mais gosto, por isso, desanimei um
pouco, mas não é erro ou defeito no livro, eu não sou o
público-alvo.
O
livro foi indicação de um colega autor e resenhista, o Fernando
Nery do Filósofo dos Livros. Podem conferir o blog dele aqui ou o canal no YouTube aqui. Ele disse que eu
gostaria pela forma que a autora trata o psicológico da personagem
principal e foi uma dica acertada, o livro não entra para a lista
dos meus prediletos, mas é muito bom.
Tanto
a autora, quanto os responsáveis pela diagramação, acertaram na
mosca. Pensamentos de personagens devem ser ressaltados em itálico
ou virem entre aspas, às vezes usam os dois juntos, eu acho que fica
feio, mas não vem ao caso. Fizeram diferente no “Canção do
Cuco”. As inferências da Triss foram marcadas com uma fonte
diferente da usada como padrão no livro. Uma fonte que lembrava
escrita a mão e deixava os pensamentos mais infantis e marcantes. O
que é excelente, já que a protagonista tem 11 anos.
Eu
não abandonaria o livro por causa da diferença que senti no clima e
no ritmo, mas ler uma conversa em um grupo do Facebook me fez voltar
ao ritmo normal de leitura. Era um grupo de literatura, estou em
vários e não me recordo em qual ocorreu. O fato é que alguém
perguntou sobre como indicar um livro para uma leitora
pré-adolescente e a resposta de uma das integrantes do grupo foi
algo mais ou menos assim: “eu sempre olho a idade dos personagens,
uma história sobre meninas de 13 anos costuma ser boa para leitores
de uns 13 anos também”. Foi aí que eu pensei, o livro é sobre
uma menina de 11, não dá para esperar um suspense psicológico com
questões que façam um cara de 32 perder o sono.
Eu
não me arrependo de ter seguido com a leitura. A fábula é muito
bem desenvolvida e traz seres curiosos e intrigantes. Também temos
outros personagens marcantes que ganham mais destaque até o final da
obra. Comento duas: Pen Crescent, irmã caçula de Triss que
demonstra muito ciúmes e briga pela atenção dos pais e Violet
Parish, uma mulher perdida e desviada, capaz de ouvir Jazz, andar de
motocicleta e morar sozinha.
Ainda
que infanto juvenil, o livro não explica todos os pormenores da
trama. Frances soluciona todas as questões importantes e deixa
alguns detalhes abertos a interpretação e discussão, gosto disso.
Afinal de contas, nas palavras da própria autora:
“Porque
o mundo, meu amigo, não é claro. É escuro feito chouriço. Então
se você o enxerga claro como cristal, tem alguma coisa errada com os
seus olhos. Ou talvez você não use os seus olhos”.
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